(Redação feita pra escola, anos atrás)OBS.: A idéia era que fizéssemos uma crônica que tivesse como base uma notícia atual. Escolhi uma em idosos receberam uma carta condenando-os pelo uso "abusivo" e "exagerado" do direito de viajar de graça com o RioCard. O meu comentário sobre a notícia, embora recheado de ironias e exageros, está aí. Espero que esteja compreensível...
Aureliano Figueiredo não se deixava abater. Todos os dias, às 6 da manhã, o velhinho estava de pé em frente a um ponto de ônibus. Antigas namoradas, amigos de infância e companheiros de guerra iam chegando aos poucos e se juntando no local. Alguns tinham espírito jovial e usavam roupas modernas. Outros eram trêmulos, corcundas e usavam, em pleno calor do Rio de Janeiro, xales e suéteres nas costas. Já o próprio Aureliano, por sua vez, era uma espécie de híbrido entre os dois gêneros: velho aqui e jovem ali. Era ele que comandava a coisa toda.
Começou como uma simples brincadeira nostálgica: os velhinhos se reuniam, trocavam memórias antigas e passeavam pelos diversos pontos da cidade que lhes eram marcantes. A inocente relembrança, porém, durou pouco. A brincadeira tornara-se chacota. A chacota tornara-se crueldade. E assim, inesperadamente, a coisa tomou proporções assustadoramente catastróficas.
Em um ímpeto completamente irracional e abusivo, Aureliano logo estava comandando uma horda incontrolável de velhinhos que lotavam ônibus inteiros em nome da mais sádica diversão. Dentro do ônibus, os outros passageiros eram esmagados e humilhados. Ao redor do mesmo, os velhos arruaceiros cuspiam nos pedestres e atiravam lixo nos outros automóveis. Eles gritavam e riam da coisa toda. Aposentados, tinham todos tempo de sobra para a atividade maliciosa. Lotavam, durante o dia inteiro, ônibus das mais variadas áreas da cidade, e constamentemente passavam de um a outro simplesmente pelo prazer de causar tumulto. Como se não bastasse, aqueles malditos idosos sequer pagavam a passagem. As empresas de locomoção, coitadas, estavam entrando em desespero.
O medo dos grandes empresários que geriam o negócio era tanto, que logo estava atingindo os funcionários subalternos. Aqueles velhinhos eram uma praga. Além de serem insensíveis baderneiros, agora estavam levando o sistema de transporte público da cidade à falência. No entanto, mesmo que cultivando um ódio secreto daqueles idosos, os motoristas e trocadores não ousavam dizer nada. Eles temiam aquela gente. Quando um velhinho colocava os pés no ônibus e exibia sua dentadura em um sorriso demoníaco, o motorista, em pânico, pisava fundo para escapar, derrubando o inimigo na calçada. Talvez fosse um desespero próprio. Talvez fosse pressão de seu chefe. Não se sabe. Mas era o horror que se estabelecia. Já era tempo: algo precisava ser feito.
E então, uma carta amigável foi enviada. Foi feito o possível pra não degradar os velhinhos: uma vírgula errada e eles decerto teriam sua vingança. Sendo assim, a carta comentava apenas a questão econômica da situação. Ela não acusava, de forma alguma, a questão da ordem pública que era severamente desrespeitada pelos idosos. A carta era uma mentira. Enquanto as empresas só queriam estabelecer a paz e o bem-estar entre os usuários dos transportes públicos da cidade, afirmavam falsamente que estavam cancelando a gratuidade das passagens aos idosos com mais de 65 anos por motivos puramente financeiros. Foi inventada toda uma ladainha para não ofender os velhos, mesmo que fosse necessária a humilhação da própria empresa, que supostamente rogava perdão diante da falência.
De qualquer maneira, nada adiantou. Embora a carta alertasse do cancelamento do direito de passagem grátis aos idosos, o Prefeito da cidade não teve coragem de aceitar aquilo. Trêmulo de aflição, o sujeito simplesmente pediu desculpa aos velhinhos antes mesmo que estes pudessem reclamar. Aureliano suspirou fundo, piedoso. As empresas continuaram um tanto tensas. E tudo o mais, no final das contas, continuou na mesma.
[FIM]
Um comentário:
isis castilho says: (9:07:27 PM)
seus textos sao sensacionais
isis castilho says: (9:08:45 PM)
vc vai ser colunista do globo ainda
SOKOMO NÉ
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