Eu digo que ela é uma menina engraçada. Ela me olha, esquecendo de suas preocupações por um instante. Ela sorri e me agradece sem dizer nada. Eu sorrio também.
"Eu te daria um tapa na cara e diria que te amo."
Ela sorri e olha pra mim com os olhos tristes, resmungando algo e me chamando de "bobo" com carinho. Ela dá uma risadinha estranha. Uma risadinha nostálgica, como se lembrasse de algo antigo... de algo feliz e ao mesmo tempo triste que aconteceu há muitos anos. Eu rio também. Mas o meu riso é simplesmente imbecil. Uma risada idiota e baixa que me faz tossir. O suficiente pra minha barriga doer. Eu deito nas pernas dela e ela acomoda minha cabeça ali.
Eu olho pra frente... diante de mim, vejo as estrelas no céu. Ela me olha como se eu fosse um bichinho de pelúcia. Provavelmente tenho uma expressão abobalhada e inocente no rosto. Meus olhos brilham por causa das estrelas. Muitas estrelas. O céu está limpo... dá pra ver uma porção de estrelas. Vários pontinhos brilhando no céu escuro. Eu observo como o brilho delas não é totalmente parado. É como se ele aumentasse e diminuisse vagarosamente. Todas brilham assim. Todas estão vivas. Eu digo que de perto essas estrelas são grandes. Digo que são grandes e que estão todas vivas.
Ela não responde. Ela não sorri. Ela sequer olha pra mim... mas passa a mão na minha testa e bota o meu cabelo suado pra trás. Eu olho as estrelas de novo e digo a ela que a gente é muito pequeno.
Eu não esperava resposta, de novo, mas ela cessa o carinho e diz que nós somos mínimos. Eu sorrio. Eu digo a ela que provavelmente estou bêbado. Ela ri e diz que não, não estou bêbado. Ela diz que tá tudo bem e me olha com um sorriso pequeno, de lábios cerrados.
Mais uma vez, ela diz que tá tudo bem.
Então ela volta a olhar a pequena trilha por onde viemos. Ela olha lá pra longe, pra uma casinha pouco iluminada. Acho que ela quer passar esse momento em silêncio. Então eu volto a olhar as estrelas. Fico um pouco triste, de repente. Elas parecem não gostar de mim. Elas não gostam de mim porque me olharam a vida toda e só hoje eu fui prestar atenção nelas. Eu sinto um nó na garganta e uma estranha vontade de chorar.
De repente, ela me pergunta, num tom sério: "você sabe pra onde ele foi?"
A voz dela é linda. Eu fecho os olhos e digo que não consigo me lembrar. Eu digo que não sei do que ela está falando e reparo que ela tem uma cicatriz embaixo do queixo. Muita gente tem essa cicatriz debaixo do queixo. Eu mesmo, quando era criança, ganhei uma dessas. Mas a cicatriz dela é diferente. É como se fosse especial.
"Você tem uma cicatriz engraçada debaixo do queixo", eu digo.
Então eu sinto a cicatriz na ponta do meu indicador. Ela me olha, suspirando como se tirasse um ar ruim de seus pulmões.
Eu estico o meu braço com esforço e alcanço o cabelo dela. Ela tem os cabelos castanhos e cacheados. Eu puxo um dos cachinhos e ele volta como uma mola. Eu sorrio e faço "tôim". Ela faz que não com a cabeça, sorrindo, como se não acreditasse na minha atitude. Então digo que gostava do cabelo enroladinho dela desde a terceira série. Ela respira fundo e diz que não gosta muito do cabelo dela. Eu digo que ela deveria.
Eu meto a mão no cabelo dela e começo a bagunçá-lo num impulso sem sentido. Ela ri e me manda parar. Eu só paro quando sinto a orelha dela ali embaixo. Eu presto atenção e começo a sentir a orelha dela com os meus dedos. Isso me dá sono. Ela diz que é uma sensação boa. Eu pergunto se ela me escuta bem. Os olhos dela brilham quando ela diz que sim. Ela tem uma boa orelha. Digo que ela deve ser uma orelha saborosa.
"Eu queria morder a sua orelha."
Ela diz que vai machucar, me olhando de um jeito triste. Digo que não tem problema, não preciso morder, só queria saber como era o gosto. Deve ser bom... afinal, é uma boa orelha.
"Sabe", eu digo, "a gente podia fazer um restaurante."
Eu digo que a gente podia fazer um restaurante com a orelha dela e que todos iriam adorar. Eu dou nome aos pratos e descrevo os acompanhamentos. Ela fala pra eu falar mais baixo. Eu volto a olhar as estrelas e diminuo o tom da minha voz. Digo que o restaurante seria um sucesso intergalático.
Ela esfrega os olhos. Ela parece estar chorando. Eu falo que vai ficar tudo bem, que a gente poderia acabar com a fome na África com o nosso restaurante. A orelha saborosa dela ia resolver todos os problemas do mundo e tudo isso seria de graça.
Ela olha pra mim como se me conhecesse mais do que eu me conheço. Ela me puxa e me acomoda nos braços dela. Eu falo que está frio, que está tarde, que toda essa história de restaurante me deixou com muita fome.
"A gente devia voltar pra casa", eu digo.
Então eu tenho certeza de que ela está chorando. Ela tira as lágrimas do rosto com a mão e diz que eu posso morder a orelha dela agora.
Eu faço um grande esforço enquanto ela abaixa a cabeça. Alcanço a orelha dela e dou uma pequena mordida. Ela soluça algumas vezes e eu caio de novo nos braços dela, com a barriga doendo. Presto atenção no gosto. Um gosto metálico. Sinto um gosto de sangue, embora a orelha dela esteja intacta. Foi apenas uma mordidinha...
Eu me sinto mal. Me sinto triste e culpado. Penso em tudo que eu deveria ter feito.
Eu sinto as minhas pernas formigarem. Eu sinto sono, mas não quero dormir. Odeio ficar com sono no meio de um filme.
Então eu morro.
6 comentários:
foi vc que escreveu isso?
Parabéns, nenhuma crítica dessa vez
8-) / :P
desculpa se eu achei fofo?
ooh, que lindo. lindo mesmo. eu fiquei até a metade esperando algo do mal acontecer haha
parabéns :)
"e falo toim" hahahaha, gostei do texto
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