quarta-feira, 17 de agosto de 2011

A Verdade por trás da Verdade


Eu só queria saber a verdade sobre o mundo. Se eu soubesse que eles queriam me fazer fumar esse monte de erva e tomar LSD, eu não teria vindo até aqui. Comprava com o traficante da esquina.

- Ora, senhor - me diz um hippie cabeludo e escroto. - Não tem nada a ver! Aquilo é droga! Aquilo tem... - ele arregalou os olhos avermelhados e finalizou: - energia ruim.

Energia ruim? Fora o Edison e o Westinghouse, quem usa essa expressão é babaca. Principalmente se for um hippongo new-age como esse.

- Aqui as energias são boas - continuava ele. - Você vai abrir a mente pra outras coisas! Vai enxergar o mundo como ele realmente é…

Isso é tão ridículo. Daqui a pouco as pessoas vão começar a dar com a cabeça na parede.

Não tô dizendo que esses hippies estão no limite de ficarem retardados. Eles já são, mas estão insatisfeitos. Falta agora inventar essa nova religião. É assim: você bate com a cabeça na parede. Se fizer a coisa de maneira certa, seu cérebro sofrerá sérias lesões e você terá problemas mentais. Tenha isso em mente, foque nas lesões cerebrais. Não pare de bater a cabeça até virar uma pessoa completamente retardada. Uma pessoa "especial", como já falam por aí dos portadores de doenças mentais, acidentes genéticos, condições especiais e o caralho a quatro. São todos especiais. Mas, nessa religião, você é mais do que especial. Você não é um simples retardado... você é uma alma mais pura, emissora de energias boas, descobridora de uma realidade maior e suprema, de outra dimensão. 

Isso mesmo, eles escrevem livros e mais livros sobre o assunto. São livros com capas intergaláticas e títulos irresistíveis: a verdade, a chave da verdade, a verdade por trás da verdade, a chave da verdade por trás da verdade, a verdade por trás da chave da verdade da verdade da chave da verdade. E por aí vai.

"Porra, eu também quero saber a verdade!" e aí compram o livro.

No fundo, a coisa não passa de um livro inteiro de auto-ajuda explicando cientificamente os mais variados danos cerebrais e fenômenos astronômicos inexistentes, mas a verdade por trás disso é que cada um desses danos abre um portal no cosmos pra uma nova dimensão. É sério que tem gente que acredita. O povo usa drogas e ervas de efeito diretamente neurológico e, numa curiosa obra do acaso, faz contato com seres divinos. 

Se caem nessa estúpida "coincidência", foder o cérebro na porrada não deve trazer consequências muito diferentes. Pense bem: você fica vendo um bobalhão trêmulo, babando, gritando e cagando nas calças... no entanto, isso é apenas superficial. Entende? Na verdade, seu amigo que teve o crânio intencionalmente fraturado por si mesmo, não é um imbecil. Ele é uma alma inocente que foi pra um plano superior. Ele "evoluiu", tornou-se melhor do que você. Por mais que ele seja um cara babado e cagado em seu corpo físico, ele é um iluminado puro e inocente, superior aos problemas do mundo material. Essa é a verdade.

- Tá bem - respondi ao sujeito. - E quanto é que eu tenho que pagar?

Ele sorriu e me respondeu:

- É de graça, senhor. Nosso interesse aqui não é o dinheiro...

A primeira vez é sempre grátis.

- Mas se quiser se inscrever pra participar de todos os rituais da comunidade, terá de colaborar com 2.500 reais, senhor.

Ah, eles ganham dinheiro vendendo droga e ainda têm a autorização do governo. Basta você se converter à "religião" deles. E adivinha só? Tudo isso não é exatamente uma religião. Nós somos um passo além. Sei lá, alguma espécie superior de filosofia de vida "acima das religiões tradicionais" que mistura verdadeiros estudos científicos com um vago espiritualismo místico. E que de alguma forma doente, se melhor do que a religião e que a ciência ao mesmo tempo. Ou seja: o que eu quero dizer é que, pra aderir à toda essa babaquice, são aceitas todas as crenças e descrenças. Qualquer Judeu, Hindu, Muçulmano, Cristão, Cientologista, Macumbeiro ou Espírita poderá se vincular ao nosso processo de aproximação com o Divino. Afinal, os espertinhos precisam se mostrar superiores mas ao mesmo tempo genéricos o suficiente para estarem abertos a todos os mercados. E aí, dessa forma, qualquer um poderá se inscrever pra comprar droga e não ser preso, bastando essa pequena… taxa de colaboração.

Pois bem. A minha ideia de bater com a cabeça na parede vai trazer ainda mais lucros e benefícios.

Antes das lesões cerebrais, iniciaremos um duradouro processo de purificação mental. Obviamente, precisaremos de muitas drogas, drogas e mais drogas. Tudo com a autorização legal, é claro. O consumo de crack e heroína, por exemplo, fará parte de nossos rituais espirituais mais sagrados. Não vão poder se meter porque temos, assim como qualquer outro culto religioso, o direito de exercer nossas práticas culturais. E não ousem cobrar impostos. A gente vai se encher de cocaína dentro da lei e ainda faturar uma boa grana no nosso monopólio de isenções fiscais. Afinal de contas, não pode ser qualquer droga que se encontra por aí. As outras têm "energia ruim". Todas as outras, legais ou ilegais. Menos a minha. Comprem da minha. Ok? E lembrem-se da taxa de inscrição.

E é aí que a grana começa. E depois vem a porrada na cabeça.

Veja só: além de render uma quantidade de livros infinita, esclarecendo a verdade por trás da chave da verdade por trás da verdade da verdade por trás da chave da verdade, os danos cerebrais impedem qualquer um de dizer que isso tudo é uma grande baboseira pra ganhar dinheiro. Sempre tem aqueles que se enchem de erva e ácido e dizem que não sentiram nada, não é? Sempre tem aqueles que querem questionar e negar o resultado verdadeiro das coisas. Mas eu lhes digo o seguinte: quem bater com a cabeça e não sentir nada, é porque não bateu com força suficiente. 

Sim, nossa tática é simplesmente infalível. Quem fodeu mesmo com o cérebro, não tem condições pra nos contestar. E quem nos contestar, não fodeu o cérebro o suficiente.

E mais! Além de sermos logicamente infalíveis, teremos ainda outra fonte de renda: seremos defensores dos portadores de perturbações mentais. Obviamente, como qualquer outra organização não-governamental do tipo, receberemos doações pra cuidar de retardados. É simples, não exige muito esforço porque retardado não reclama. E se estiver reclamando, é porque é retardado. Aliás, todo esse esforço é grátis, porque o nosso exército de seguidores que cuidará dos retardados fará isso por livre e espontânea vontade, de graça, acreditando no bem que está fazendo à nossa comunidade religiosa com seu caridoso trabalho voluntário. Então, na verdade, as doações são nada mais do que puro lucro. E aí, mais dinheiro pra mim. Mais dinheiro pro fundador da Igreja de Trascendência Mental.

- Desprendam-se dos bens materiais! - grito. - Dinheiro é apenas uma burocracia nesse plano primitivo! Todos os seus pertences devem ser utilizados apenas pro sustento mínimo do corpo físico dos nossos evoluídos! Doem! Doem!

E um mar de objetos desaba sobre o palco. Com o tempo, estaríamos aceitando cartões de débito e crédito.

Começaria na picaretagem mesmo. Alguns, evidentemente, entenderiam o esquema fácil pra ganhar dinheiro e logo virariam meus sócios. Mas nós nunca citaríamos esquema algum. Isso não pode ficar sequer entre nós. Todos precisamos fingir acreditar piamente na coisa toda: drogas divinas, portais interdimensionais, terapias com cristais mágicos, conversas com fantasmas, duendes, palestras de alienígenas. Qualquer merda. Passando por baralhos que preveem o futuro, oferendas pra entidades africanas e a porra do retorno de Jesus Cristo. Não importa. Todas as mais variadas formas de estupro cerebral. E por toda essa porradaria na cabeça e terapias espirituais e façanhas paranormais, cobraremos caro. 

Mas não se pode esquecer: não são negócios. É apenas uma taxa pra manter o corpo material. Para mantermos viva a nossa organização. Para sustentar os retardados. Foda-se, eu não sei. Qualquer desculpa que faça as pessoas compartilharem seus salários. É assim: fingimos acreditar em qualquer tipo de estupidez, apenas pra você não se sentir estúpido nos dando seu dinheiro em troca de um serviço paranormal que sequer existe. Ou que talvez exista, mas que coincidentemente só pode ser percebido por quem já está morto ou por aqueles que já têm a mente um tanto "especial".

Enfim, tudo acaba com um gordo cheque no final das contas, de um jeito ou de outro. Mas não se pode esquecer que dinheiro jamais poderá se tornar um assunto. NUNCA. Dinheiro é uma taxa, uma trivialidade inevitável, um meio e nunca um fim em si próprio. Não pense sobre isso e muito menos fale sobre. Aquele que quiser entrar no nosso esquema e vier de engraçadinho, fazendo contas e calculando faturamentos, deve ser brutalmente assassinado.

É isso aí. Mais uma superação em eficiência pra minha nova religião: seres corrompidos e apegados à riqueza material devem ser imediatamente enviados ao além. Gente assim não merece a chance de questionar os nossos procedimentos! E pra esses infiéis compreenderem nossas práticas de uma vez por todas, há apenas o nosso infalível método mecânico clássico: porrada na cabeça. E em casos de emergência, a porrada é à força. Literalmente. Até a morte do corpo material. E assim, aquelas pobres almas estarão livres novamente para confirmar que sempre estivemos certos… e a minha Igreja de Transcendência Mental estará livre de qualquer possível polêmica de corrupção interna. E de qualquer questionamento das nossas formas de lucro.

- Vejo que a senhora não tem doado muito à nossa instituição recentemente…

- Oh, Mestre, eu… eu não tenho mais nada… eu…

- E esses seus brincos? - questiono.

- Ora, mas...

- PESSOAL! - interrompo, me virando pro resto da audiência. - Parece que a nossa colega está presa à vaidade do mundo físico!!!

Trêmula, a senhora tira seus brincos. À sua volta, todos começam a se levantar, sorridentes.

- Por favor… pode ficar… eu… eu tenho netos!

- Você vai encontrá-los mais tarde - respondo, com um sorriso. - Não precisa se preocupar.

- Eu não quero - ela começa a chorar. - Eu não quero viajar agora!

Uma multidão começa a puxá-la. Sorridentes, encaram seu sofrimento da mesma forma carinhosa que observam um bebê aos prantos sendo batizado. Reações assim são normais. Insignificantes.

- BOA JORNADA!!!

Todos aplaudem com emoção.

Pode acreditar. Não vai faltar gente disposta a se engajar nessa gloriosa atividade de emergência. Teremos um exército de seguidores, completamente autônomos, prontos para policiar a todos e "purificar", por iniciativa própria, a mente de todos que tentarem corromper nossa evolução metafísica. Eis um outro bônus da nossa filosofia. 

Veja: nosso exército esmagador de crânios não será composto por uma gangue de psicopatas paramilitares seguindo ordens de superiores. Foi-se o tempo das cruzadas. A reação violenta diante da corrupção da alma, agora, é perfeitamente natural a todos. Qualquer sentimento de ódio perante a praga descrente não é hipocrisia com relação à nossa superioridade astral zen. Esses chamados "assassinos" num mundo menos evoluído, são na realidade pessoas de bem, espiritualmente superiores, se esforçando para confrontar o mundo decadente em nome de uma causa maior. Eles não precisam seguir ordens de líderes. Eles sabem o que fazem no fundo de suas almas. Eles são independentes, incontroláveis, sedentos por cérebros estraçalhados e desprendidos de qualquer moral imposta por uma sociedade corrupta.

Os Transcendentes estão além de todas as noções de bondade e justiça criadas por essa nossa sociedade podre e degenerada. Não existe essa falsa moral. Não existe o conceito estúpido de ética. Essas são invenções do homem selvagem. Na realidade, o mundo material é apenas uma passagem incompreendida por muitos. Nossos verdadeiros seguidores que habitam essa triste carcaça terrestre podem até ter sentimentos odiosos naturais do animal humano… mas no fundo, tudo o que fazem é em prol das almas atrasadas e confusas que circulam nos corpos desse planeta. Podemos parecer incompreensíveis, mas um dia você vai nos entender. Podem nos criticar, mas é tudo em nome de uma causa maior. Você acha que está sofrendo, mas fazemos tudo em nome do bem-estar universal. É tudo pela perpetuação da nossa filosofia perfeita. Do retardamento em massa. Da absoluta negação da possibilidade de erro e da completa destruição do pensamento racional. 

Mesmo que isso custe o seu cérebro espalhado no asfalto.

- Força!!! Força!!! Não estou vendo o SANGUE PODRE da carcaça humana!!!

E assim a coisa funciona. Alguns gritam e esbravejam, outro matam e atacam, e outros dão apenas um sorriso pacato diante da mediocridade espiritual daqueles que desrespeitam nossas crenças - numa humildade tão grande que no final é fruto de arrogância. Mas todos esses que berram, matam ou demonstram essa humildade hipócrita, são apenas uma multidão de imbecis que sustentam e perpetuam nossa indústria de negócios. Não ganham porra nenhuma com isso. São um efeito colateral que vem acalhar. São apenas fracassados convenientes em crises existenciais, que pagam por terapias abstratas que não passam de devaneios fantasiosos e estúpidos. E por isso, justamente, são esses os únicos que precisam de fato acreditar em alguma coisa. Os verdadeiros membros da elite religiosa, já que se sustentam disso, saberiam muito bem a verdade suprema por trás de tudo. O resto todo da nossa comunidade acreditaria apenas nas milhares de outras verdadezinhas que inventaríamos como merchandising. E assim, continuariam abrindo suas carteiras para ouvirem os mais longos sermões e palestras esdrúxulas.

Com as duas mãos, todos dão um breve soquinho nas laterais da cabeça em nosso gesto de fé:

- A Igreja de Transcendência Mental triunfa!

Mas é como eu disse: mesmo que tudo acabe num gordo cheque, dinheiro não pode ser um assunto. Nunca. Até entre nós mesmos, devemos fingir acreditar em tudo. Aliás, fingimos acreditar nessa fantasia até mesmo nas nossas próprias mentes pra nos consolarmos e nos sentirmos melhores do que alguma coisa na merda das nossas vidinhas prepotentes. Na verdade, além das drogas e da grana, talvez esse seja o fator mais convincente pra converter todos à nossa filosofia de vida: a deliciosa sensação de que, mesmo que por algum motivo completamente fictício e abstrato e escroto, você é melhor do que alguém e possuidor de algum tipo de sabedoria maior sobre o universo e outras idiotices. Essa é a verdade. As pessoas só preciam se sentir melhor do que qualquer merda.

Então, eis que os maiores líderes vivem essa grande mentira, sabendo disso no fundo de seus inconscientes e não ousando tocar no assunto nem mesmo com as figuras mais emblemáticas e milionárias da nossa comunidade. Da mesma forma, o silêncio sobre o dinheiro se segue entre centenas de palestrantes e terapeutas espirituais. Nas nossas estratégicas reuniões de negócios sobre os próximos projetos de fudelância encefálica, existe esse clima estranho e tenso onde ninguém pode abrir a boca pra falar sobre o que todo mundo já sabe. Comentar sobre qualquer lucro monetário é arriscar ser violentamente assassinado numa purificação de emergência. 

É assim: depois dos nossos longos cultos repletos das mais extremas emoções, vamos calma e silenciosamente às salas do fundo para contar o dinheiro. Enquanto os enormes salões já estão vazios, molhados do suor e das lágrimas de um povo que há pouco estava ali em êxtase, nós sentamos e fazemos as contas dos lucros. Separamos os objetos de valor. Organizamos a grana. E enquanto as pessoas vão pra casa purificadas e com hematomas na cabeça, o grande salão é deixado vazio com o chão molhado e as paredes manchadas e respingadas de sangue. E ali nos fundos, nos bastidores, lá estaremos ricos e pensativos, discutindo vagamente sobre o grande bem que estamos fazendo à humanidade.

É nesse sentimento delicioso que progredimos. A elite da Transcendência Mental prevalece, escrevendo sua história com risos, sangue, suor e lágrimas. Pregando as mais estúpidas idiotices e encarando as críticas de fora com um sorrisinho amarelo no rosto,  que já sequer consegue transmitir qualquer humildade além da mais óbvia vergonha de estar envolvido em algo tão estúpido pra ganhar dinheiro com o nosso niilismo secreto. Ou isso, ou logo desistimos da nossa imagem zen de humildade arrogante e esbravejamos de ódio contra as desprezíveis almas inferiores que nos criticam. 

No final das contas, não importa. Voltando à ideia original: de um cérebro fodido e um sorriso falso, nascerá toda uma indústria de livros e drogas e vídeos e palestras e uma centena de serviços supostamente sociais e sobrenaturais que rendem milhões e não fazem porra nenhuma a não ser com aqueles com a cabeça já mais do que podre e fodida. No final, a violência e o ódio e a prepotência e a ignorância seguem progredindo para todo o sempre num mundo miserável e intolerante. E enquanto a sociedade regride, o pensamento crente e supersticioso triunfa. Com dois soquinhos na lateral da cabeça. Ou então, com o cérebro espalhado no asfalto.

Aplausos ao fundo.

- É essa a verdade sobre o mundo, meu caros!

Diante de uma enorme audiência, concluo o discurso aos meus fiéis seguidores. Não lembro qual é a moda mais convincente do momento, mas acho que eles pensam que eu sou algum tipo de extraterrestre que tem um corpo retardado em alguma estrela distante. Algum tipo de messias que viaja pelas galáxias trazendo uma belíssima mensagem de amor e paz.

- E não se esqueçam - acrescento ao final. - Os descrentes que desrespeitarem nossos ritos alucinógenos apenas pra usufruirem de nossas substâncias místicas merecem transcendência IMEDIATA!

Todos continuam aplaudindo. Alguns não, no entanto: estão incapacitados enquanto babam e tremilicam em estranhos espasmos, em cima de suas cadeiras de rodas. Seu crânios estão cheios de tábuas metálicas e parafusos. Continuo:

- Devo lembrar que tais substâncias são utilizadas por motivos SAGRADOS e a revenda é estritamente PROIBIDA - aponto o mercadinho que vendia pó, pedras e ervas mágicas. - Tudo isso é apenas em nome do LUCRO FINANCEIRO!!!

Um rapaz tropeça. Uma criança tosse no colo da mãe. Uma mosca entra pela janela. Atrás de mim, líderes da Transcendência suspiram risonhos. Um homem gordo que coçava o joelho arregala os olhos assustado. 

De repente: MERDA.

Há um longo instante de silêncio. Um menininho afasta a mosca de seu rosto. Meu discurso para por breves segundos inacabáveis e todos se entreolham confusos…

- Do lucro financeiro, JAMAIS!!! - grito, simulando algum tipo de firmeza moral.

Minha voz ecoa. A mosca pousa em outro lugar. Continuo com firmeza:

- Todas as substâncias são…

Merda, merda, merda.

- São utilizadas…

Mal começo a me corrigir e um grupo de homens grandes e calmos surge no palco por trás de mim.

- Esperem um momento! - resmungo com uma falsa autoridade. - Deixa eu terminar!

Tento impedi-los enquanto me deitam no chão e seguram meus braços e pernas. A audiência volta a aplaudir numa euforia desesperadora. Algo quente começa a se espalhar por dentro de mim.

- Isso é um absurdo! Um desrespeito! - grito. - Fui eu que FUNDEI essa comunidade!

Enquanto tento me impor, todos me olham com carinho daquela mesma forma que acham bonitinho um bebê aos berros e com o rosto molhado. Começo a chorar e fazer que não com a cabeça.

- Por favor, por favor… você não podem…

Finalmente, o vice-líder da Transcendência Mental toma o microfone, gritando alegremente:

- ESSE É O MOMENTO!!! ESTÁ NA HORA DA PARTIDA DE NOSSO GRANDE MESTRE!!!

Alguns xingam e cospem, esbravejando como se estivessem se livrando de uma carcaça ruim. Outros, enquanto isso, louvam e gritam palavras de amor e carinho como que comemorando a purificação e partida da minha alma. Todos estão suando e berrando em êxtase quando me imobilizam no chão.

- BOA JORNADA AO MESTRE!!! - gritam.

- Merda, merda, merda, merda...

Aperto os olhos com força. Puxando o meu cabelo pra cima e pra baixo diante de uma multidão de lunáticos, esmagam o meu rosto contra o chão numa série porradas dolorosas. 

Meu nariz quebra e começa a sangrar. Gotas e manchas de sangue começam a se espalhar pelo chão branco. Dentes quebram. O lábio rasga. Bang, bang, bang. Com o rosto roxo e molhado de sangue, tento mandar pararem enquanto gritam de alegria ao redor. Já não tenho dentes nas minhas gengivas ensanguentadas. Choro desesperadamente. Começo a ficar tonto. Me engasgo com sangue e a minha cara começa a se desfazer num vômito de sangue, miolos e pedaços expostos do meu crânio e maxilar.

- BOA JORNADA, MESTRE!!! - todos gritam. - BOA JORNADA!!!

Largam uma cabeça desfigurada no chão e se levantam triunfantes com as mãos molhadas de sangue. A audiência parece estar num transe quase sexual. Alguns choram de olhos fechados, outros comemoram saltitando e abraçando uns aos outros. Enquanto isso, algumas figuras aproveitam o momento pra cheirar cocaína sagrada e gemerem como animais. Enquanto me contorço em dolorosos espasmos aos pés da Elite Transcendente, membros da audiência correm ao palco pra chutar o que resta da minha cabeça.


***

3 comentários:

Unknown disse...

Acabou bonito o texto. Muito bom!

Mariella disse...

Não vou comentar sobre esse texto, porque já comentei.


Mas, é uma música, babe. Até coloquei o vídeo :D


Ficou fofo meu blog né?


Tô com vontade escrever freneticamente agora, mas me falta assunto.

xDDDre disse...

Os comentários são de 2008, pois é, mas reescrevi o texto agora em 2011 pra dar um UPDATE em alguns aspectos. A história geral, however, continua a mesma.