quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Reformulando a Arte e a Literatura

O filósofo francês Maurice Merleau-Ponty, em 1945, traçou algumas relações pertinentes sobre a noção de cinema e a nova psicologia. Seu argumento era que, assim como a percepção humana prova-se cada vez mais uma totalidade unificada (mais do que a soma dos sentidos), o cinema também configura e deve ser visto como uma totalidade única, e não a mera justaposição de som, imagem, movimento e artes cênicas. Expandindo esse conceito um passo adiante, eu argumento: da mesma forma, funciona o conceito geral de Arte. 

A noção do que é arte não se basta como a mera soma de suas partes ou categorias, como um aglomerado de modalidades artísticas. A visão, a audição, o tato, o alfato e o paladar são apenas fragmentos da nossa experiência maior de perceber o ambiente ao nosso redor em uma totalidade experiencial. Seguindo a analogia: as manifestações artísticas em suas diversas formas são também os fragmentos que compõem um organismo maior. Um organismo maior e mais complexo do que a mera justaposição de partes (cinema, literatura, música e todas as outras), um organismo que se basta como uma entidade total: a noção mais ampla e completa de Arte, em todas as suas aparentes formas superficialmente distintas.


quinta-feira, 10 de abril de 2014

O Pescador

A rua é como um mar de pessoas. Uma porção delas. Todas estúpidas, frias, como seus olhos vazios e repetidos, andando pra lá e pra cá. Todas iguais. De vez em quando, é claro, uma ou outra se destaca. Mas no fundo, cada uma tem seu próprio cardume. Todas fazem parte de um grupo. Um grupo em que são todos iguais a ela.

Chega a ser ridículo. Jogue uma rede e você certamente pega um peixe igual a outro. São criaturas lamentáveis. Todas idênticas, se debatendo fora d'água, com seus olhos arregalados e sem esperança. É impossível sentir pena. Nunca senti. Quando era menor e saía pra pescar com o meu pai, olhava aqueles peixes com anzóis atravessados na boca e tinha vontade de rir. Dependendo do meu humor, a cena às vezes até me irritava de tão estúpida. Fosse como fosse, considerava a experiência interessante, de certa forma. E então, já hoje em dia, tornei-me pescador.

O trabalho é simples: basta arrumar uma isca e fisgar o primeiro otário que aparecer. Eu particularmente, não costumo ficar com o primeiro. Mas isso é apenas um capricho meu. No final das contas, peixe é peixe. Como disse, são todos a mesma coisa. Todos se debatem fora d'água, todos possuem olhos esbugalhados, e todos são compostos por nada além de sangue, carne e ossos. São iguais. E além disso, vai ter sempre alguém interessado no que você pegou.

Já cansado de escolher, recolho o equipamento e trato de voltar pra casa com a minha única pesca da noite. Já tá quase amanhecendo. Tenho pouco tempo até a hora combinada para a venda. Apessado, começo a preparar o produto. Ligo a câmera e finalmente arranco o negócio da boca do animal infortunado. Ele parece ainda respirar, ofegante, com vida.

- Por favor - ele diz. - Não me machuque.

(Redação pra escola, 2009)

sábado, 29 de março de 2014

As coisas que a gente pergunta...

- Quem está aí?

Virei assustada. Ninguém respondeu, e eu fiquei me perguntando se seria menos idiota se eu tivesse perguntado "tem alguém aí". Na minha pergunta, eu partia do princípio de que havia, sim, alguém pra me responder. Era uma pergunta que agora me parecia um tanto macabra... de alguma forma, ela se dirigia a alguma figura misteriosa que possivelmente jamais me responderia. 

- Tem alguém aí...?

Tentei corrigir. Agora, se ninguém me respondesse, eu pelo menos me sentiria segura. Tem alguém aí? O silêncio funcionaria como uma resposta negativa. Eu estaria sozinha, sim, apenas falando com ninguém e parecendo meio maluca... mas agora já era tarde demais. Eu não havia perguntando SE havia alguém ali, mas sim QUEM estava ali - e nesse exato momento, eu havia criado uma entidade silenciosa que nunca me responderia.

Desde então, anos depois, ela me acompanha. Esse vazio que não responde, essa resposta que existe mas não é falada. Eu me arrependo: tudo seria mais fácil se eu tivesse perguntado de uma forma diferente. Perguntado se havia algo a ser respondido, e não perguntado a resposta de uma pergunta que não tem resposta. Há coisas que nunca saberemos a resposta. E às vezes, existem coisas para as quais nunca saberemos as perguntas.

Mas não sei... acho que não tem jeito. Alguma hora, todos nós cometemos esse deslize. E a partir desse momento: criamos respostas pra perguntas que nunca deviam ter sido feitas. Tentei apagar aquilo da minha mente, perguntar de forma diferente, até mesmo decretar na sala escura:

- Se eu estiver sozinha, ninguém vai me responder.

Mas não adiantava mais se iludir - eu estava me comunicando com alguém. Eu estava, paradoxalmente, esperando que alguém me respondesse no vazio que não havia ninguém ali para me responder.

- Tem alguém aí? 

"Não", a voz me diz. "Não tem ninguém aqui."

É estranho explicar... mas acho que dá pra entender. Acho que tudo que eu esperava, no fundo, era esse alívio da confirmação do nada. Mas eu sabia que isso nunca ia acontecer.



sexta-feira, 7 de março de 2014

Encontro

Ela vem na minha direção, sorrindo, falando no telefone. Desligamos.

- Por que ele fez isso!? - pergunto, risonho.

Nos abraçamos. Beijo seu pescoço, sinto seu cheiro.

- Não sei! - ela responde, achando graça.

Guardamos o celular.

- Como assim - comento.

Damos a mão, mudamos de assunto. Seguimos.

Zona Industrial

Poderia ser o Século 19. Mas o ano é 2025 e uma chuva pesada e morna desaba sobre uma enorme fábrica naquela noite escura. São duas horas da manhã. Relâmpagos pálidos iluminam brevemente as gotas grossas que mergulham barulhentas. Os morcegos se escondem pendurados em suas palmeiras. Porcos sujos resmungam amontoados em algum lugar - a água escorre pelo teto de madeira, enquanto o chão e o lixo e a comida e a bosta se misturam numa única lama densa. O trovão ruge com calma por cima de todos e uma criança chora em algum lugar. O que fariam as formigas, afogadas? Na pesada calma da madrugada, a fábrica se ergue mecânica, solitária e cinzenta, sem nunca parar de trabalhar.

Lá dentro, o ruído ensurdecedor da maquinaria. O ECO DAS CORRENTES E ENGRENAGENS COMPETINDO COM AS VIOLENTAS PANCADAS DE CHUVA NO TELHADO METÁLICO. Há uma cidade vazia ali ao lado, abandonada em silêncio, com seus barracos e vielas por onde coisas escuras rastejam desesperançosas sobre a água. Do lado da fábrica, diante de uma enorme porta acorrentada, um único homem molhado carrega uma lanterna e uma pistola enquanto espera algo acontecer.


segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Alguns poemas…

Decidi experimentar em alguma coisa de poesia fajuta. Foi isso que saiu… o primeiro me parece mais expressivo, os outros foram experimentos estranhos, e sinto que vão piorando gradativamente. Mas vai aí de qualquer forma. Qualquer hora, tento explorar mais…

[[UPDATE: a vergonhosidade extrema dos outros me forçou a apagá-los, resta aqui apenas o primeiro e único]]

Resolvi Fazer Poemas

Minha poesia é nada mais
Que um mini-texto escrito em verso
Que eu rimo se quiser
Se quiser pagar de esperto

Meus assuntos tanto faz
Tanto fazem?, tanto faz
Repito mesmo se quiser
O se quiser e o tanto faz

Vou parar de brincadeira
Que nem sempre vou brincar
As palavras são maneiras
Mas nem sempre vou zoar

Não sei ainda, nem fiz nada
Mas vou tentar ir nessa estrada

Agora eu paro de rimar
Pra terminar de qualquer jeito

(André Alves)

domingo, 3 de novembro de 2013

Repensando a Anarquia

Há tempos estive flertando com a anarquia. Me sinto uma jovem recém-casada, se olhando no espelho, virando de perfil, imaginando a barriga protuberante e se perguntando se aquela imagem poderia corresponder a uma mulher grávida, uma nova mamãe. A situação me é parecida - o meu bebê, a anarquia. Me encaro no espelho e às vezes, no meio da rua, me pego perguntando: imagina só se eu, aqui, fosse um anarquista. Será que eu sou? Será que eu posso ser…?

Sempre considerei a anarquia como impossível e utópica, e portanto até mesmo perigosa. É aquele pessimismo básico: é claro que alguém, numa comunidade linda e pacífica e sem autoridades, iria resolver sem mais nem menos espancar a todos e tentar dominar o mundo. A vida é assim. E se você parar pra pensar, é basicamente isso que sempre aconteceu na história da humanidade (e mesmo em outras espécies vagamente sociais). Com relação a isso, inclusive, eu sequer mudei de ideia - ainda acho que sempre vai haver algum lunático pra estragar tudo. Mas a questão não me parece ser mais essa. A questão é que "ser anarquista", afinal, é muito mais do que fantasiar com esse mundo sem autoridades dando certo. 

Nessa outra concepção, a anarquia não seria um fim, distante e utópico, e sim um meio. Um meio infinito. 

Todo mundo conhece o conceito de que "utopias servem para que não deixemos de caminhar". Mas também, a anarquia não é isso. Muito pelo contrário: a anarquia serve justamente pra parar de caminhar e dar meia-volta - porque pera aí, tá dando tudo errado e vai dar merda.


terça-feira, 29 de outubro de 2013

No Mangue

Há apenas o barulho calmo, molhado e escuro, da água quase parada indo e vindo sobre a terra podre. Há lama, raízes… as árvores estáticas na brisa morna da noite. Em algum lugar, uma cabeça. No matagal escuro e quente, uma cabeça estranha mergulha o rosto na água morna - os cabelos boiando, ensanguentados. 

Ouve-se os passos lentos e arrastados na água. A luz forte e pálida da lanterna, criando aquelas sombras tortuosas de troncos e galhos escuros. De repente, aquele corpo: 

- Tá aqui.

A pele acinzentada, as veias pálidas, a camisa fina e transparente. O cinto, a calça preta. Um pé de meia, o outro ainda com um sapato de couro. A cabeça bóia com o rosto pra baixo, os cabelos num emaranhado escuro de vermelho…

- É ele - confirma o outro. - Filhos da puta...

Um terceiro homem se aproxima, com ares de tédio e desgosto.

- Puta merda...


- Vamo levar pra caminhonete - se adianta. - Isso não pode ficar aqui.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Três Pessoas


Havia chegado o horário do almoço, mas acabou ficando no trabalho mais um pouco pra terminar umas coisas. Terminou. E no final das contas, só restou sair pra almoçar sem mais ninguém. 

Foi pra praça de alimentação do shopping que tinha ali do lado (suspeitando de algo estranho no calçado, mas não era nada). Já sabia o restaurante e o que queria - fez seu prato e entrou na fila. Parece não haver nada mais solitário do que ir comer sem companhia, e todas aquelas pessoas parecem ter em cima delas uma grande nuvem melancólica. Não quer dizer que sejam ou que estejam tristes. É só que comer sem ninguém é a coisa mais sozinha possível. Na verdade, não há nada mais íntimo do que comer - com companhia ou não. O sentimento do gosto é algo que só a pessoa pode ter para si própria, e todo mundo come de uma forma extremamente particular que parece carregar a sua vida inteira de algum jeito. Há algo muito sozinho em ver aquela moça deixar cair uma gota de catchup na sua saia cinzenta e formal. Há algo muito sozinho naquele cara de terno desembrulhando um sanduíche natural, mordendo mais do que consegue botar na boca e se atrapalhando um pouco com isso.

Enfim, pesou o prato e foi em busca de uma mesa vazia naquela praça cheia de pessoas sozinhas (mesmo que acompanhadas). Encontrou uma mesa com uma bandeja abandonada e foi logo pra lá. Sentou, almoçou, comeu como se estivesse sob observação. No meio da coisa, alguém da limpeza se aproxima pra pegar a bandeja abandonada ali do lado:

- Pode levar? - pergunta.

Claro que podia, não é a coisa mais legal do mundo almoçar ao lado do prato vazio dos outros, com uma lata virada e um guardanapo amassado dentro. Mas, ainda mastigando, é complicado responder às perguntas mais simples. Se atrapalha. Cobre a boca ainda segurando o garfo. Sem graça, encara ali aquela pessoa dentro de seu uniforme de limpeza e faz um gesto com a outra mão, de forma meio passiva. A breve confusão é compreendida. A bandeja é levada.

Minutos depois, estaria descendo as escadas rolantes pra ir de volta ao trabalho...

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O TIOPÊS NA LITERATURA

Claro que não. Muito dificilmente seria aceito na literatura tadicional que os personagens falassem em algo tal como o "tiopês". Não só os personagens, mas imagina só: o próprio narrador, ausente, onisciente, narrando em terceira pessoa. Jamais o narrador que narra em terceira pessoa poderia desenvolver tanta pesonalidade e presença (apesar de todos sempre acabarem tendo um jeitão meio próprio), pois no momento em que ele se excedesse ia acabar se parecendo demais com um ser humano, e os leitores poderiam começar a achar que ele existe de alguma forma no universo da história e tudo ficaria confuso. Tal como esse narrador, aliás, aqui e agora - a essas alturas, devem pensar tratar-se do autor. Mas não é. O André é outra pessoa. Aqui há apenas um narrador que narra de uma forma particular, meio humana demais, e ousa ficar de enrolação falando sobre a própria narrativa antes de finalmente começá-la. Mas na verdade, a história tem a ver com isso (e essa é a graça desse metalinguismo). É sobre um cara, Leonardo, um nome meio longo, tanto pra falar e escrever, e que portanto fica mais facilmente expresso com um simples "Leo".

- Cara, eu tava pensando num negócio… e se a literatura falasse tiopês?


segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O Cara No Ônibus

O ônibus mais parecia uma montanha-russa quando de repente um cara lá na frente começou a gritar.

Na verdade, as pessoas não ligaram muito. Um casal de amigos, que trabalhava junto e voltava no mesmo ônibus, apenas se entreolhou ali ao meu lado por um instante. A mulher sorriu e encarou o colega com uma cara de "olha esse doido", e o colega respondeu com um silencioso levantar de sobrancelhas, com jeito de quem prefere nem pensar no assunto. 

Bem, o ônibus segue sacudindo freneticamente em alta velocidade. Entramos no túnel. O cara continua grunhindo e xingando ali na frente, e o casal continua a não dar importância. Ainda faltava pro próximo ponto, na Rocinha, mas metade do ônibus já estava em pé numa pressa bizarra pra chegar em casa. Era o meio da tarde de um sábado bonito e ensolarado, e tudo que eu queria era ir ao cinema ver algum filme insignificante em algum shopping lá na Barra. Mas isso não ia acontecer dessa vez. E na realidade, o que eu veria naquele ônibus era mais bizarro e inacreditável do que qualquer filme mirabolante que eu pudesse ver naquele dia...

Enfim. O ônibus parou e as pessoas desceram. O ônibus já não tava muito cheio e ficou ainda mais vazio depois de parar ali: sobramos apenas eu, uma garota alguns bancos na frente, o motorista e seu parceiro trocador, e um sujeito ali atrás com sua prancha de surf. Lá na frente, é claro, havia aquele cara grunhindo e resmungando coisas incompreensíveis, sentado naquele banco solitário atrás do motorista. 

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

6017: Mordingrad

(Trecho do Projeto "6017")


Era uma noite morna quando eles chegaram em Mordingrad. Do lado de fora, um vento quente circulava por entre as casas e barracos. Os finos fios elétricos balançavam, carregando suas pequenas lâmpadas amareladas que piscavam ocasionalmente em estalos surdos. Vira-latas magros reviravam os sacos de lixo. A noite não tinha estrelas, as árvores fracas não se agitavam com o vento. Nas ruas escuras da cidade, escutava-se apenas o ruído distante de um rádio ou uma televisão em algum lugar - uma gargalhada algumas ruas adiante, e a música enclausurada pelas paredes de um bar agitado naquela noite monótona.

Lá dentro estava mais quente. A música tocava mais alto. Alguma banda de rock ou sei lá, que consistia apenas em duas pessoas - um cara na guitarra e outro numa bateria incompleta, faltando umas partes. O cara da guitarra cantava num microfone remendado com fita adesiva e ninguém prestava atenção. Conversavam alto, jogavam jogos, fumavam todo tipo de coisa e bebiam risonhos. Havia uma fumaça mista naquele lugar, mágica e inebriante, que parecia deixar qualquer um vagamente entorpecido...

Eram pessoas de todo tipo. Pessoas que se odiavam, inclusive, mas que viviam um consenso calado de que estavam lá para esquecer seus demônios. Grupos racistas, violentos, idealistas políticos... anarquistas revoltosos e religiosos abstêmios. Três caras haviam esfaqueado um adolescente gay no mês passado, agora recusavam educadamente as ofertas de um garoto de programa. Enquanto isso, putas baratas sentam no colo de seus clientes bêbados, que na verdade as odeiam por terem a pele mais escura do que a deles. Há um pseudo-redpeito. Um subentendido cessar-fogo de intolerâncias. Numa movimentada cidade de fronteira a sul do Império, viajantes e estrangeiros eram obrigados a conviver com as suas mais estúpidas diferenças imaginárias.

Do lado da porta, um homem de orelhas pontudas observa tudo com uma metralhadora velha nos braços. Entediado e sonolento, ele funciona ao mesmo tempo como segurança e traficante daquele precários estabelecimento. Um duende, com dificuldade, atende os bêbados em um balcão mais alto do que a sua própria cabeça, tendo a ajuda de um auxiliar desproporcionalmente comprido, com o rosto torto e um olhar retardado.

Era estranho e surreal estar ali naquele antro de embriaguez, morna e barulhenta, de ódios reprimidos e ignorados. Bebia apenas uma cerveja quente no balcão, de costas pras mesas, encarando as garrafas vazias de bebidas alcoólicas de melhor qualidade que talvez um dia já tivessem sido vendidas por lá. Mas provavelmente não, e eram apenas colecionadas e postas em exibição por aquele duende de braços peludos, que tinha uma espingarda encostada num canto e provavelmente era o dono do local há mais de 50 anos. Era ridículo pensar que aquelas garrafas chiques e empoeiradas na verdade tinham sido encontradas no lixo, e que nunca bebida parecida jamais havia sido vendida naquele boteco de merda. Ali nunca houve "tempos de prosperidade" ou qualquer coisa assim. É claro que ali sempre foi um lugarzinho fodido. Chego a sorrir em meus pensamentos com a piada na minha frente, e estou pensando em tudo isso quando escuto um alvoroço estranho pelas minhas costas. Como ia dizendo, eram eles. Eles haviam chegado.


- Boa noite, boa noite...

sábado, 1 de junho de 2013

Views of Hester: Passive Victim or Feminist Heroine?

(Trabalho de Literatura, sobre feminismo e a imagem da mulher no livro "A Letra Escarlate" - pois é, infelizmente in English only)

Nathaniel Hawthorn's The Scarlet Letter has long been looked up to as a hallmark of American literature. Still today, the novel is studied in literature classes all over the world, as a passionate and critical depiction of early American society. The story - the woman doomed with a mark of shame. Its major themes - sin, guilt and legalism. The usual analysis, strangely enough, seems to come about here. And not infrequently, the blatant subject of the role of women in the narrative is left surprisingly unexplored.

Here is a possibility: we are all so familiar with such patriarchal conditions, that we hardly notice its casual appearances. But still, the young woman named Hester Prynne is no casual appearance. She is the story's very main character - a female protagonist. Her personal and social struggle is undeniably the very core of the novel. Yes, "the role of women" is clearly a missing subject in most school guides on The Scarlet Letter and American literature. But what, exactly, should be the approach? The female presence is clear. But what is it with Hester? Is she just a quiet, passive victim, or a strong, fighting, feminist heroine?

I consider myself a feminist (anti-sexist, or whatever label that suits those who worry about gender equality) and I couldn't help but gear up on each of Hester's appearences. I have to admit: it isn't easy. But apart from her several characteristics that weighs down on either side, the whole argument of the novel seem to hang on to the feminist aspect.


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Teoria Literária - Psicanálise & Interpretação Textual

(Trabalho de Teoria Literária, relacionando Psicanálise & Interpretação Textual)
OBS.: cortei uma parte excessivamente específica do trabalho, que o deixaria monótono. Mas o tema que interessa permanece intacto (exposto principalmente na seção "Psicanálise e Literatura"). O trabalho foi feito com Thaís Perestrelo. Voilá...

INTRODUÇÃO

Traçando-se relações entre os estudos de Sigmund Freud e a obra "O Alienista", de Machado de Assis, pode-se explorar não apenas as noções de sanidade e loucura, como também a essência do conceito de interpretação - tanto no contexto psicanalítico, quanto na própria narrativa literária.

Os paralelos entre Freud e o personagem Simão Bacamarte, protagonista na obra de Machado, não são difíceis de perceber - tratam-se ambos de "alienistas", médicos estudiosos das doenças da mente. Mas, além disso, são ambos personagens, um real e outro fictício, cercados de possíveis paradoxos e diferentes camadas de compreensão. 

Enquanto Freud desenvolve um metódico modelo de interpretação para a compreensão do que está implícito em um sonho, uma obra literária como "O Alienista" é esse próprio sonho, no sentido de que, por trás de uma narrativa superficial, escondem-se verdadeiras motivações e questionamentos. 

Aqui, relacionam-se sonho, literatura, política e ciência, de forma a delinear suas variadas interações.



sábado, 16 de fevereiro de 2013

Zutu chega à cidade de Infra-Rios

(Início de "Zutu, Episódio II: Zutu e o Monstro da Bolha")

Chove um pouco naquela manhã e toda a família se reúne em volta da encubadora. Dentro dela, um grande ovo com uma luz morna e rosada em seu centro, brilhando com ternura. Ansiosos, ao redor, os parentes aguardam.

- Vai nascer a qualquer momento…

São todos azulados, um tanto pálidos, vestindo roupas brancas que cobrem o corpo inteiro. Embora a cabeça não seja revestida, usam todos um capacete transparente, como se fossem astronautas em outro planeta.

- Veja, veja… está começando a tremer…

Silenciosa, a mãe do bebê abraça seu marido e o vidro de seus capacetes se tocam. Ela chora, mas não escorrem lágrimas. Suas pupilas apenas dilatam, cada vez mais, até seus olhos ficarem quase completamente pretos de tanta emoção. Enquanto isso, também emocionado, seu marido a abraça, sorrindo por baixo de seus bigodes grossos como pequenos tentáculos.

A casca do ovo se rompe e uma gosma rosada começa a escorrer pra fora. A encubadora começa a apitar e um homem se aproxima para apertar alguns botões, regulando a temperatura ali dentro. Mãozinhas pequenas e azuladas começam a escapar pra fora do ovo, brilhando, e a família inteira observa com olhos grandes e negros.

- É uma menina…

A criaturinha bota a cabeça pra fora, azul, com pequenos olhinhos pretos e confusos. Eles encaram a família do outro lado do vidro da encubadora, e o bebê logo abre sua boquinha coberta de finos tentáculos e começa a chorar. O homem aperta mais alguns botões na encubadora e os familiares se abraçam, emocionados.


sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Os Cães de RZ-208

(Rascunho meramente experimental para o projeto "6017")

O terceiro tiro lhe abriu um enorme rombo no fucinho. Ele estava tão perto que seu corpo rolou aos meus pés com a cara borbulhando em sangue. Logo atrás, o outro cachorro vinha correndo.

Não dava tempo de recarregar. Virei a arma e dei uma porrada na sua cabeça, o que não fez muita diferença. Ele ganiu e continuou tentando me atacar com uma ferocidade meio infantil. Ele não me odiava, não achava nada. Só queria me morder porque achava que era isso que devia fazer. E aí ele conseguiu. Seus dentes agarraram no meu braço esquerdo e o direito pegou uma faca e rasgou sua garganta. Ele cambaleou pra trás engasgado com o próprio sangue. Virou e foi embora tossindo. Caiu e sangrou até a morte a alguns metros dali. Tive um pouco de pena dele. Mas pelos próximos dias, eu estaria infectado. Pensei que meu braço fosse cair.

Voltei na semana seguinte, já me sentia melhor. Que porra aqueles cachorros faziam por ali? Pareciam mutantes, virulentos, talvez algum tipo menor de wargs doentes. Observo um pequeno grupo à distância: três daqueles cachorros comiam a carcaça de um mais velho. Cachorros canibais. É engraçado pensar que canibalismo também acontece na espécie dos outros…


sábado, 8 de dezembro de 2012

Um Ensaio Sobre Zumbis

(Trecho do conto "O Navio", Parte III: Zumbis)

Por definição, zumbis consistem basicamente em cadáveres reanimados. Pessoas que, embora tenham morrido por dentro, ainda possuem um corpo operante. Mas a questão é que a coisa não é tão simples assim. Essa morte interna do zumbi não traz de volta uma carcaça humana feliz e serelepe. O zumbi, na verdade, é um corpo podre, descuidado e apático, cujo único interesse é comer a carne daqueles que ainda não são zumbis. E só pra constar, esses mortos-vivos canibais e agressivos parecem ter um curioso interesse por cérebros.

É isso aí: zumbis são terríveis cadáveres ambulantes e comedores de cérebro. A questão por trás deles não é nada mais do que a morte. O zumbi representa o puro medo da morte: olhe-os no olhos e estará encarando a terrível imagem de um corpo sem vida. E como se a aparência do zumbi não bastasse pra relembrar a sua mortalidade, essas criaturas ainda se responsabilizam por realizar o serviço ao devorarem a sua carne. É engraçado que, na realidade, os zumbis não costumam ter pressa alguma. Eles mancam e rastejam. E enquanto te perseguem, costumam ser até bem frágeis. Embora seja difícil de matar o que já está morto, um bom zumbi morre pela segunda vez assim que leva uma boa pancada na cabeça. De preferência, é claro, um tiro explosivo e sangrento de espingarda.

sábado, 24 de novembro de 2012

Zutu e a Salamandra

(Trecho fofo de "Zutu, Episódio I: A Saga Começa")

- SOCORRO, SOCORRO! ELE PEGOU MINHA BOLSA!

Coberta com uma capa marrom, aquela pequena criatura corre com suas rápidas perninhas verdes. Em suas mãos, uma bolsa vermelha. Uma mulher gorda e suada corre logo atrás:

- ALGUÉM ME AJUDA!

Zutu estava comendo um sanduíche repleto de plantas e outros vegetais, sentado no topo de uma loja de dois andares. Ali em cima, num canto, um bebê uniformizado mexia em algum tipo de instalação elétrica, e Zutu achava engraçado sentir-se mais velho do que aquele outro humano liso e careca. Foi ali, ao final se seu sanduíche, que Zutu escutou os gritos.

- ELE FOI POR ALI!

Zutu logo se levanta. Mastigando o último pedaço de sua refeição, em pé ali no alto, ele segue com o olhar a direção pra onde a mulher apontava. Lá estava: uma coisinha magra e pequena, veloz, com uma capa marrom e uma cauda verde saltando pra fora. Parecia ser algum tipo de salamandra bípede. Enquanto isso, lá embaixo, pessoas começam a se juntar ao redor da mulher.

- Foi muito rápido! - ela parece chorar enquanto explica. - Eu estava andando aqui mesmo quando… quando essa coisinha terrível arrancou a bolsa dos meus braços e saiu correndo!

Dois Bots, apressados, se aproximam. Zutu vira-se pra direção do pequeno criminoso, e ainda consegue vê-lo dobrando uma esquina. Ali de cima, Zutu salta em meio àquelas pessoas. Todos se viram, surpresos, e Zutu explica aos Bots:

- Eu vi, ele foi por ali. 


domingo, 9 de outubro de 2011

Circo (A Revolução)

- E aí, elefante?

Ele me olha com seu enorme olho preto.

- Eu sei que você tá preso aí há anos. Desde filhote, acorrentado nesse maldito tronco estúpido…

Respirando forte e calmamente, ele puxa um punhado de plantas secas com sua tromba e bota na boca. A tenda é grande, mas é abafado e incômodo ali dentro.

- Você já deve ter tentado escapar muitas vezes quando mais novo… essa história é velha. Mas dizem que elefantes têm uma ótima memória.

Dou uns tapinhas na pele grossa e cinzenta de seu rosto camarada...

- Você certamente se lembra… aquele esforço frustrante, a corrente apertada no pé, rasgando sua carne enquanto você forçava mais e mais e não chegava a lugar algum…

O elefante me espia com seu olho curioso e mastiga sua comida.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Pérolas aos Porcos

Eis uma expressão escrota. Em geral, falar sobre "dar pérolas aos porcos" é referente a qualquer regalia mal aproveitada por uma população deseducada, tipo a reforma de um ponto de ônibus que em uma semana acaba todo pichado. Ou então, num outro caso, uma obra artística (musical, cinematográfica, literária…) que acaba incompreendida e depreciada por aqueles que tão mais acostumados com as banalidades do entretenimento. Pérolas, são coisas boas. Porcos, são seres sujos e brutos que não sabem reconhecer o seu valor, sempre preferindo comer lixo e rolar na lama.

A questão escrota é que, pra falar sobre pérolas e porcos, você precisa se fazer entendedor de pérolas. E o pior, na verdade, é que você também tem que se fazer entendedor de porcos. Você tem que ser chique. Você tem que saber o que é luxo e o que é lixo, e saber separar quem é que merece qual.

No final, a estratégia mais fácil pro glamour da classe-alta é essa: achar tudo ruim. Não importa, pode se estar avaliando a coisa mais linda e maravilhosa e profunda e amada pela elite do bom-gosto. De um jeito ou de outro, é sempre melhor dizer que achou ruim. Não vão te achar um porco por isso. Se você realmente não gostar de nada, estará acima até daqueles que já implicam com tudo. O ápice da superioridade está em odiar todas as coisas.