quinta-feira, 10 de abril de 2014

O Pescador

A rua é como um mar de pessoas. Uma porção delas. Todas estúpidas, frias, como seus olhos vazios e repetidos, andando pra lá e pra cá. Todas iguais. De vez em quando, é claro, uma ou outra se destaca. Mas no fundo, cada uma tem seu próprio cardume. Todas fazem parte de um grupo. Um grupo em que são todos iguais a ela.

Chega a ser ridículo. Jogue uma rede e você certamente pega um peixe igual a outro. São criaturas lamentáveis. Todas idênticas, se debatendo fora d'água, com seus olhos arregalados e sem esperança. É impossível sentir pena. Nunca senti. Quando era menor e saía pra pescar com o meu pai, olhava aqueles peixes com anzóis atravessados na boca e tinha vontade de rir. Dependendo do meu humor, a cena às vezes até me irritava de tão estúpida. Fosse como fosse, considerava a experiência interessante, de certa forma. E então, já hoje em dia, tornei-me pescador.

O trabalho é simples: basta arrumar uma isca e fisgar o primeiro otário que aparecer. Eu particularmente, não costumo ficar com o primeiro. Mas isso é apenas um capricho meu. No final das contas, peixe é peixe. Como disse, são todos a mesma coisa. Todos se debatem fora d'água, todos possuem olhos esbugalhados, e todos são compostos por nada além de sangue, carne e ossos. São iguais. E além disso, vai ter sempre alguém interessado no que você pegou.

Já cansado de escolher, recolho o equipamento e trato de voltar pra casa com a minha única pesca da noite. Já tá quase amanhecendo. Tenho pouco tempo até a hora combinada para a venda. Apessado, começo a preparar o produto. Ligo a câmera e finalmente arranco o negócio da boca do animal infortunado. Ele parece ainda respirar, ofegante, com vida.

- Por favor - ele diz. - Não me machuque.

(Redação pra escola, 2009)

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