quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Três Pessoas


Havia chegado o horário do almoço, mas acabou ficando no trabalho mais um pouco pra terminar umas coisas. Terminou. E no final das contas, só restou sair pra almoçar sem mais ninguém. 

Foi pra praça de alimentação do shopping que tinha ali do lado (suspeitando de algo estranho no calçado, mas não era nada). Já sabia o restaurante e o que queria - fez seu prato e entrou na fila. Parece não haver nada mais solitário do que ir comer sem companhia, e todas aquelas pessoas parecem ter em cima delas uma grande nuvem melancólica. Não quer dizer que sejam ou que estejam tristes. É só que comer sem ninguém é a coisa mais sozinha possível. Na verdade, não há nada mais íntimo do que comer - com companhia ou não. O sentimento do gosto é algo que só a pessoa pode ter para si própria, e todo mundo come de uma forma extremamente particular que parece carregar a sua vida inteira de algum jeito. Há algo muito sozinho em ver aquela moça deixar cair uma gota de catchup na sua saia cinzenta e formal. Há algo muito sozinho naquele cara de terno desembrulhando um sanduíche natural, mordendo mais do que consegue botar na boca e se atrapalhando um pouco com isso.

Enfim, pesou o prato e foi em busca de uma mesa vazia naquela praça cheia de pessoas sozinhas (mesmo que acompanhadas). Encontrou uma mesa com uma bandeja abandonada e foi logo pra lá. Sentou, almoçou, comeu como se estivesse sob observação. No meio da coisa, alguém da limpeza se aproxima pra pegar a bandeja abandonada ali do lado:

- Pode levar? - pergunta.

Claro que podia, não é a coisa mais legal do mundo almoçar ao lado do prato vazio dos outros, com uma lata virada e um guardanapo amassado dentro. Mas, ainda mastigando, é complicado responder às perguntas mais simples. Se atrapalha. Cobre a boca ainda segurando o garfo. Sem graça, encara ali aquela pessoa dentro de seu uniforme de limpeza e faz um gesto com a outra mão, de forma meio passiva. A breve confusão é compreendida. A bandeja é levada.

Minutos depois, estaria descendo as escadas rolantes pra ir de volta ao trabalho...



***


- Porra, Guilherme! - resmungo impaciente. - Daqui a pouco dá a hora do filme!

Ele responde que já tá indo e manda eu me acalmar, que posso até ir comprando o ingresso.

- Eu não vou comprar o ingresso sem você! Depois você não aparece e eu fico aqui fazendo papel de idiota…

- Eu te pago depois de qualquer jeito!!

- Cara, vem logo…

Desligo o celular e vejo que na verdade nem falta tão pouco tempo pro filme assim. Mas isso me irrita. Ele sempre se atrasa pra tudo. E esse negócio de comprar ingresso por outros é mó furada. Eu sei que ele tá vindo, né… mas não comprar é uma questão de princípios.

Bem, não preciso ficar mais encarando os horários do filmes e decido sair dali. Mas o problema de cinemas que não são dentro de shopping é que não têm lá muito o que fazer do lado de fora. Já tava escuro, mas a sensação era diurna - as pessoas ainda iam e vinham como se fosse dia. Buzinas, ônibus, barulhos chatos. Não tem graça ficar esperando o desgraçado ali fora. Olho o relógio impaciente e volto pra dentro. Um café, um sebo, essas coisas de cineminha alternativo. Nem tá frio mas tem gente de cachecol. Casais descolados. Alguns velhinhos que devem ser mais ou menos legais e tão ligados nos filmes… acho que vou um pouco com a cara deles, se não forem pedantes e fizerem parte dos velhinhos mais modernos e parceiros.

Não quero ficar julgando as pessoas e entro lá no sebo pra ver o que tem. Olha lá um LP da Madonna. Guilherme ia adorar, simplesmente porque ele é gay. Dou uma olhada no disco, com uma certa culpa de ter seguido esse raciocínio mas ao mesmo tempo achando que a vida é assim, e deve ser mais ofensivo pra gays em geral falar mal da Madonna do que generalizar e agir como se todos tivessem que gostar dela. Numa piada mental, concluo que uma bicha decentemente poderosa e saída-do-armário tem mais é que adorar a Madonna mesmo. Penso que na verdade minha piada secreta provavelmente é mais preconceituosa ainda.

Enfim, sorrio discretamente com aquele LP nas mãos (era "True Blue", pros curiosos) e acho graça de chamar o Guilherme de "bicha poderosa" porque na verdade ele é meio tímido. E então, eis que o sujeito enfim me aparece às pressas, com sua aparência perfeitamente de acordo com o pessoal daquele cinema: cachecol no pescoço (ou sabe-se lá o nome daquele pano), barba mal-feita, sapatos pontudos e bolsa pendurada de lado. Um perfeito hipster.

- Comprou o ingresso? - diz ele todo apressado, ignorando o LP.

- Eu falei que não ia comprar, ué...

- Então vamo, ué! Não era você que tava dando chilique de pressa?

Deixo o LP onde estava e nutro uma leve indignação por ele tê-lo ignorado. O que houve com Guilherme? Aposto que agora se rebaixou ao nível de ver clipes da esquecível e satânica Lady Gaga. Ou não. Na verdade, acho que eu só tinha apressado tanto o infeliz que ele ficou mais tenso e acelerado do que eu, que tava ali esperando sem fazer nada há longos e entediantes minutos...

Bem, vamos pra fila. Menciono o LP. Ele acha lindo com uma certa indiferença e logo começa a me contar uma história qualquer que não faz lá muito sentido eu saber - talvez no clímax tenha alguém que eu conheça.


***


Você adora festa de criança. Quem não gosta? É claro que às vezes é um compromisso inconveniente, mas no geral os salgadinhos acabam falando mais alto.

Foi sua avó que teve que ligar pra te convencer. Era festa de algum parente distante, que morava num bairro distante, e ia fazer a festa numa casa de festas ainda mais distante. Ia ter aquelas mesas de hockey de mesa, pinball, uns fliperamas velhos e até umas coisas meio surpreendentemente complexas tipo carrinho bate-bate e aquele negócio que ficam umas xícaras girando que você não sabe o nome. Você não faz ideia do que significa isso (por que são xícaras!?) mas acha legal ver a piração das crianças saindo tontas de lá. Ok, vão vários parentes (mais próximos, primos legais que você já não vê há um tempinho) e a sua avó acaba te convencendo a ir, para a alegria da sua mãe.

Pois vamos lá. Chega aquele momento de seguir o carro da frente. Você nem sabe qual versão é mais chata: ser o carro que conhece o lugar e têm que andar em câmera-lenta, ou ser o carro de trás que fica perdidíssimo tendo que seguir o carro da frente. No caso, você tava no de trás, com aqueles embrulhos de presente no colo e ouvindo músicas chatas e notícias de rádio. É praticamente uma viagem até aquela casa de festas maldita e você já tá morrendo de fome porque te acordaram às pressas em pleno final de semana pra ir até lá. Não tinha comido absolutamente nada. E com medo de transformar o sangue em óleo e ter um ataque cardíaco instantâneo, você se recusa que uma coxinha seja o seu primeiro alimento ingerido no dia. Chegando lá, tome ao menos um suco.

- Oooooooi!!! - diz aquela tia empolgada, abrindo os braços pros seus antecessores.

Você aguarda a sua vez do abraço e, finalmente, aquelas criancinhas travessas e risonhas aparecem pra falar com você pessoalmente - você só tinha trocando caretas e tchauzinhos quando as via na janela do carro que seu pai tava seguindo.

- E aí, Felipe? - você diz pro moleque.

O menininho começa a falar coisas sem sentido e dizer que é uma série de super-heróis até que chega a sua vez de cumprimentar a tia. Lá na frente, aquele negócio enorme e multicolorido: uma enorme gaiola para hamsters humanos. É com isso que se parece aquela estrutura de plástico, cheia de túneis e desafios e cordas e escorregas. É claro: há também a indispensável piscina de bolinhas. Com um certo tédio, você bem que queria se meter naquela piscina de bolinhas se existisse uma versão um pouco mais gigante.

- Bora lá? - um tio distante diz de brincadeira, tem praticamente a sua idade.

- Eu não - você responde, sorrindo. - Não deve nem poder entrar lá do meu tamanho...

- Ahhhh, cê tá é com vergonha!

Os pratinhos sortidos de salgadinho vão e vêm e as crianças tão felizes e suadas e ocasionalmente alguma aparece chorando, ferida em suas estripulias. Animadores fazem coisas ridículas, e o tédio e a vergonha-alheia são as coisas que mais te incomodam. Mas, no geral, a festa tá tolerável. Você fica mais com os adultos mesmo, que ficam bebendo chopp no meio da criançada e rindo levemente bêbados, numa cena que lhe é um pouco desconfortável.

Conversas, visões engraçadas, histórias divertidas. Umas pessoas são legais, outras mais chatas, e a coisa não é nenhuma desgraça e nem grande diversão. Andando por lá, sua vó te puxa pela cintura de repente, sentada numa mesa e garantindo que todos estejam comendo algo:

- E aí, tá gostando?

- Sei lá - você sorri, dando de ombros.

Ela pergunta se você provou o negócio lá de camarão com catupiry e diz que era muito bom e que aprenderia a receita. Você diz que tinha provado, sim. Era bom mesmo. Inclusive, tinha sido o seu café-da-manhã, e isso te perturbava um pouco.


***

5 comentários:

Anônimo disse...

Não... Você é burro cara, que loucura... Como você é burro, que coisa absurda...?

Isso dai que você disse é tudo burrice... Burrice. Não... Não.... Eu não consigo gravar muito bem o que você falou, porque você fala de uma maneira burra. Entende?

xDDDre disse...

Não entendi (pois sou burro).

Anônimo disse...

Perdi meu tempo lendo isso?
Qual o propósito dos textos?

xDDDre disse...

Pessoa anônima (se é que são ambas a mesma, sei lá), não sei se te tenho no Facebook mas eis o que eu respondi lá sobre o sentido entre as três historinhas:

"O que as histórias têm a ver é que elas são sobre pessoas. Pessoas meio indefinidas (nunca são descritas e, no que é mais difícil driblar, nunca têm o gênero definido - tanto faz). Outra ~sacada~ desse experimento foi colocar as três pessoas narradas em três pessoas: uma história é narrada em terceira ('ele/ela foi almoçar'), outra é narrada em primeira ('eu fui ao cinema com meu amigo atrasado etc') e a outra em segunda ('você foi na festa de criança'). Tinha pensado em colocar na ordem pra ficar engraçadinho 'primeira, segunda e terceira pessoa', mas preferi deixar a 'segunda pessoa' (que é mais estranho e ~experimental) pro final e talz. Enfim, essa é a sacadinha da história: as três pessoas, três pessoas. Hoho"

xDDDre disse...

Sobre o "propósito" da Literatura e como você administra o tempo, vai de cada um...

MASSS, eu escrevi isso aí como um exercício sobre pessoas aleatórias e existentes que tão por aí pela cidade (me são familiares no Rio de Janeiro), deixando-as indefinidas a não ser por alguns momentos específicos. E além disso, tem a coisa de escrever em três pessoas, sendo mais difícil manter o gênero indefinido na terceira e mais ~diferente~ escrever em segunda pessoa. Essa foi a brincadeira. Mas talvez acabe chata ou imperceptível no ponto de vista do leitor mesmo, é um risco...