segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O Cara No Ônibus

O ônibus mais parecia uma montanha-russa quando de repente um cara lá na frente começou a gritar.

Na verdade, as pessoas não ligaram muito. Um casal de amigos, que trabalhava junto e voltava no mesmo ônibus, apenas se entreolhou ali ao meu lado por um instante. A mulher sorriu e encarou o colega com uma cara de "olha esse doido", e o colega respondeu com um silencioso levantar de sobrancelhas, com jeito de quem prefere nem pensar no assunto. 

Bem, o ônibus segue sacudindo freneticamente em alta velocidade. Entramos no túnel. O cara continua grunhindo e xingando ali na frente, e o casal continua a não dar importância. Ainda faltava pro próximo ponto, na Rocinha, mas metade do ônibus já estava em pé numa pressa bizarra pra chegar em casa. Era o meio da tarde de um sábado bonito e ensolarado, e tudo que eu queria era ir ao cinema ver algum filme insignificante em algum shopping lá na Barra. Mas isso não ia acontecer dessa vez. E na realidade, o que eu veria naquele ônibus era mais bizarro e inacreditável do que qualquer filme mirabolante que eu pudesse ver naquele dia...

Enfim. O ônibus parou e as pessoas desceram. O ônibus já não tava muito cheio e ficou ainda mais vazio depois de parar ali: sobramos apenas eu, uma garota alguns bancos na frente, o motorista e seu parceiro trocador, e um sujeito ali atrás com sua prancha de surf. Lá na frente, é claro, havia aquele cara grunhindo e resmungando coisas incompreensíveis, sentado naquele banco solitário atrás do motorista. 


De onde eu tava, eu não podia vê-lo direito. Mas ele estava longe de se vestir como um mendigo louco ou qualquer coisa do tipo que as pessoas ignoram. Era um cara adulto, de cabelo preto e curto, roupa social, barba feita e aquele jeito de escritório. Do lado dele, uma pasta de couro tava caída, aberta, com uns papéis escapando e prestes a se espalharem pelo chão.

- Bando de filho da puta! - escutei ele gritar. - Eles botaram alguma coisa no meu cérebro!!

As coisas estavam começando a ficar esquisitas - mas não era nada que um louco não pudesse delirar. O motorista continuava disparando pelas pistas, o trocador batucava com fones no ouvido e a garota olhava pela janela assustada mas fingindo que nada estava acontecendo. O surfista lá atrás não parecia estar dando a mínima (talvez sequer tenha reparado ou ouvido aquilo) e apenas eu parecia estar vagamente intrigado com o que estava havendo.

Até que o cara levantou.

- Eles botaram no meu cérebro, porra!

Ele chutou a própria pasta espalhando documentos aparentemente importantes pelo chão. Veio cambaleando pelo ônibus com uma expressão de dor e com a mão puxando os cabelos. Puxando de verdade. A ponto de começar a arrancá-los de uma forma estranha, como se arrancasse uma peruca costurada costurada direto no couro cabeludo. Sangue começa a escorrer por sua testa, e a garota se encolhe na janela apertando sua bolsa.

No meio do ônibus, o cara cai de joelhos no chão. O trocador tira os fones pra entender o que estava acontecendo e o motorista vira pra trás por um momento. Finalmente, o cara arranca aquele cabelo estranhamente falso e grudado em seu crânio e começa a arranhar a pele do lado esquerdo daquela cabeça pálida, careca e respingada de sangue. Ele parece ter mesmo uma ferida ali, como se algo tivesse sido realmente implantado recentemente. Eu não consigo entender nada, e não consigo pensar em nenhum motivo convencional pra que pessoas escondam chips na cabeça por baixo de implantes de cabelo.

Eu não percebi o que aconteceu, mas de repente o motorista havia parado o ônibus e estava de pé do outro lado da roleta.

- O que tá acontecendo? - ele pergunta, estranhamente mais indignado do que preocupado.

- Eu tenho… que tirar essa merda - resmunga o cara, ajoelhado no chão e arrancando os pontos na lateral da cabeça.

O motorista fica assustado, encara o trocador e começa a discar alguma coisa no celular. O surfista está meio perplexo ali atrás, esgueirando-se pra ver o que acontecia. A garota, ali no canto, continua fingindo que ignora tudo. Enquanto isso, eu olho pra todos os lados tentando me convencer de que aquilo é mesmo a realidade. 

De repente, o cara consegue: tira um pequeno trequinho esbranquiçado da cabeça, como se fosse de silicone, com algum tipo de microchip dentro. Ele se levanta, tonto, com as narinas sangrando e os olhos perdidos. Ele vira-se pra trás por um momento e encara o motorista.

- NÃO!!! - ele grita. - NÃO CHAME A POLÍCIA, SÃO TODOS MARXISTAS!!!

Aquele cara é claramente esquizofrênico, mas esse pensamento logo me foge da mente quando eu me lembro que ele de fato acabou de arrancar um chip do cérebro (ou pelo menos implantado na superfície do crânio ou sei lá).

O motorista anda pra trás conforme o cara se aproxima, tentando subir pra frente do ônibus por cima da roleta. O trocador desce de sua cadeira e começa a empurrá-lo pra trás. O motorista desce do ônibus pela porta da frente, assustado. O louco de desprende do trocador e corre pra sair pela porta de trás. Ele passa correndo do meu lado. Estávamos parados mais ou menos no meio do nada, logo depois de sair do túnel e chegar na Barra, e não tinha ninguém ali por perto na calçada. Mas onde quer que aquilo fosse, todo mundo aproveitou pra descer do ônibus às pressas e fugir daquilo. Mas eis que nos deparamos com o cara bizarro do escritório apontando nada menos que uma pistola pro motorista:

- Larga esse telefone!! - ele grita, mais preocupado do que agressivo. - Você não tá entendendo, eles vão vir me pegar!!

O motorista levanta as mãos pedindo pro cara ficar calmo, como se deixar de chamar a polícia fosse algo perfeitamente razoável e ele fosse desistir de qualquer jeito. O louco, agora satisfeito, vira-se pra nós, recém-saídos do ônibus:

- Vocês não entendem!? - ele lamenta, com o rosto ensanguentado e tentando se explicar. - São ELES que tão fazendo isso. Eles estão fodendo com o nosso país. Eles tão fodendo comigo. Foram ELES que fizeram isso comigo...

Ele aponta pra ferida na cabeça e ninguém diz nada. O homem parece estar chorando. 

- Eles tão fazendo isso com todo mundo na agência. Ninguém sabe, mas eles tão fazendo isso com todo mundo que trabalha no banco. Esses filhos da puta controlam tudo. É essa porra dessa Sociedade FABIANA, vocês não conhecem??? É mil vezes pior que a maçonaria. Eles controlam o ESTADO.

Uma viatura da polícia se aproxima em alta velocidade, subindo bruscamente na calçada com a sirene desligada. Dois homens brutos saltam pra fora do carro com pistolas em punho.

- PRO CHÃO!!! - eles gritam. - TODO MUNDO PRO CHÃO!!!

Alguns carros passam por ali e diminuem a velocidade pra ver o que estava havendo - mas logo aceleram novamente, assustados. 

- POR CHÃO, PORRA!!! PRO CHÃO!!!

Os PMs tão apontando a arma na nossa cara e todos nós nos jogamos na calçada. O maluco do ônibus, perdido, continua de pé com sua pistola na mão. E sem ter nenhuma reação, ele é baleado ali mesmo. Quatro disparos. Dois atravessando seu peito, e outro na cabeça. A outra bala desapareceu sabe-se lá onde e o homem caiu morto no chão - a garota agora chorando e os policiais guardando suas pistolas quentes. A garota encara aquele corpo ensaguentado e incosciente e ninguém entende o que estava havendo. Estou completamente transtornado, mas eu não acho que aqueles dois policiais faziam parte de qualquer conspiração além de simplesmente matar bandidos à queima-roupa com tiros na cara. Mas isso não me fazia entender melhor o que estava acontecendo.

Enfim. Os policiais deixam o cadáver no chão após conferirem seu olhar morto e logo vão falar com o trocador e o motorista, que começam a explicar o que tinha acontecido. A garota está chorando, ligando pra alguém no celular. Eu não quero nem saber e estou indo embora. O surfista se aproxima dos policiais e do motorista e do trocador, e eu talvez devesse o mesmo pra entender aquela história. Mas eu vou embora mesmo e ninguém se importa. Vou pro ponto de ônibus mais próximo. De qualquer forma, já tinha desistido de ir ao cinema - precisava comer alguma coisa. 





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